domingo, 9 de maio de 2010

ILSE ANA PIVA PAIM

ARTISTA CONVIDADA DA 12ª EDIÇÃO
DA MOSTRA DE ARTE "MÃOS DE NOSSA ARTE"
* 2010 *


Possui graduação em Artes Plásticas pela Universidade de Passo Fundo (1979) e graduação em Educação Artística pela Universidade de Passo Fundo (1977), mestre em Educação, artísta plástica, arte educadora e pesquisadora disciplinada e incansável, sobretudo em relação aos temas sociais, ou temas que contém elementos estrutrantes de nossa identidade social, provoca inquietação ao retratar desde catadores de lixo, tornados invisíveis aos nossos olhos pela via cruel da exclusão social, até os remanescentes de povos primitivos (indígenas), que tiveram um papel fundamental na formação de nossa identidade e história, população dotada de imensa riqueza cultural e, hoje, tristemente marginalizada e desprezada por parte significativa da sociedade, que tende a desprezar a força da mestiçagem como elemento constituidor vital do povo brasileiro.

“CATADORES DE SONHOS”
A ARTE POR TRÁS DO LIXO

A vida e o trabalho dos recicladores de lixo podem ser vistos na exposição “Catadores de sonhos”, da artista plástica Ilse Ana Piva Paim. A exposição conta com dez quadros e teve início em 2002, em Carazinho. O texto da obra foi editado em Portugal.

O interesse de Ilse pelos catadores de lixo surgiu em meios as caminhadas diárias. Acostumada a seguir o que chama a sua atenção, Ilse foi atraída por um homem e sua carroça cheia de lixo. Desde então, o barulho dos cavalos e das crianças fizeram a artista dar atenção ao assunto.

Logo vieram as primeiras fotografias e a imersão no mundo de milhares de pessoas que sobrevivem do que é descartado pela sociedade. Com as 62 fotos em mãos, Ilse se dedicou ao primeiro quadro. “Trono de Papel”. Na imagem, Gislaine e Gerson representam a tranqüilidade da proteção familiar. As duas crianças passam o dia trabalhando pelas ruas com a avó, já que a mãe, prostituta, se afastou.

A obra favorita da pintora é “Burro sem Rabo”. Segundo ela, a pintura “surgiu do poema do Rubem Braga, que diz que todos carregamos fardos que não são nossos”. Outro quadro que instigou a pintora é o “Meio Dia”. Nele, um menino come um pastel em meio ao lixo. A cena fez Ilse se indagar “quanto custa o dia inteiro e uma pessoa”. Para aquele jovem, que trabalha do nascer do dia até o entardecer, apenas dois pastéis. “Isso é desumano”, afirma a artista.

O trabalho de Ilse Ana foge da superficialidade da estética para alcançar a interpretação da mensagem. Prova disso foi o convite feito a um sociólogo, um historiador e um psicólogo para analisar as obras. “Todo o meu trabalho sempre se voltou para o ser humano”, diz a artista.

Em Carazinho, o trabalho de Ilse rendeu resultados. Ações voltadas aos papeleiros foram realizadas e a necessidade de criação de uma usina de reciclagem passou a ser vista com maior atenção pela sociedade local. Em apenas um dos depósitos de Passo Fundo mais de 150 famílias depositam produtos que podem ser reaproveitados. Elas trabalham de maneira independente, sem vinculo empregatício e ganham de R$ 0,20 a R$ 0,25 por quilo. Cada família leva ao depósito cerca de 100 quilos de papeis e outros materiais por dia. A rentabilidade semanal fica em torno de R$ 120,00.

A maioria dessas pessoas que acumprem esta tarefa é vitima de desemprego. O lixo torna-se, então, fonte de renda. Há três meses Silvana Fernanda, de 35 anos, passa os dias remexendo sacolas e entulhos nas ruas à procura de materiais que possam ser vendidos. O marido ficou desempregado e essa foi a maneira encontrada para conseguirem o sustendo da casa. Tem mês que dá um salário, em outros dá uns R$ 90,00, diz Silvana. Com ela os três filhos pequenos, assustados, mas protegido, como as crianças do “Trono de Papel”.

Seja nos quadros ou nas ruas, essas famílias, com suas carroças velhas e rostos cansados, gritam por atenção e respeito. “Todos nós tentamos catar todo dia o que há de bom dentro de nós”, diz Ilse, que incorporou um pouco da vida desses recicladores de esperança.


Catadores de Sonhos

O Som mágico de cavalos cansados, passos rasgados, carroças puxadas...
A visão nítida de rostos queimados, braços esticados, carretas levadas,
Fez com que me aproximasse de vocês.
Catadores de papel, colecionadores de restos, bagagem de dejetos.
Quanto caos e também quanta luz!
O encanto não sumiu com o meu pranto...
O encontro não abafou meu grito de espanto.
Meu pranto não faz desaparecer
O encanto que experimento ao encontrá-los.
Pelas ruas andam empurrando seus carros, seus medos, exorcizando a miséria.
Sinto que em casa rosto encontrado, há um apelo que parte de mim há uma necessidade maior de apontar, mostrar as impossibilidades de opções...
Eles não percebem...
Eles nada podem fazer...
E nós?
Muitos são, pouco tem e carregam fardos de nossas vidas.
O excesso de nosso cotidiano.
A sombra de toda uma sociedade.
Muito vi, muito aprendi e sei que muito vou deixar.
Registro um mundo de impossibilidades pelas janelas fechadas e portas cerradas!
A quem compete descerrar?
Passiva não posso permanecer!
Meu grito é expresso em cores e rostos, meu apelo são ícones do cotidiano, minha mensagem é por mais vida...
Em tantas caras, muitos gestos surgem vocês, catadores excluídos!

"Gostaria de ter o poder de encher-lhes o coração da curiosidade
sagrada que tornam nossa existência interessante"
(Roberto Gambini)

Meu pincel conduz linhas, formas e sentimentos.
Minha obra traduz a esperança que sinto de incluí-los no meu mundo onde é permitido sonhar...
No universo onde se permite conhecer e optar.

“Vivemos imersos e apoiados num enorme desconhecido
que é a realidade que, em nossa vã ignorância, julgamos conhecer”
(Hendrik Willien Van)

Aprendi em trópegos passos que o melhor olhar é o do sentir...
Como não ver imagens tão fortes, vívidos momentos, pacto travado, registro fixado...
Perambulam ávidos em toscos carros, ilusões...
Catam.
Papel.
Papelão.
Plástico.
Frascos.
Fardos.
Fatos.
...
Traduzem em sua caminhada anseios, devaneios e sonhos.


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