segunda-feira, 23 de maio de 2011

GERTRUD HELENA DÖWICH

ARTISTA CENTENÁRIA HOMENAGEADA DA

13ª EDIÇÃO DA MOSTRA "MÃOS DE NOSSA ARTE"

* 2011 *


Dona Gertrud em sua residência.

Nasceu em 13 de março de 1911, na aldeia Bierdorf junto ao lago Ammer, nas proximidades de Dissen, na Baviera, Alemanha. Estudou no convento O.S.D de Diessen onde recebeu as primeiras aulas de pintura. Desde o princípio, o desenho e a pintura com as tintas guache, foram suas atividades preferidas. Costumava aproveitar cada tempo vago que dispunha para “bordar” como dizia sua mãe.


Aos 14 anos imigrou juntamente com sua família para o Brasil. Fixaram residência em Panambi, onde não dispôs mais tempo, nem de material pra a sua atividade preferida. Somente muitos anos mais tarde começou a fazer desenhos com lápis de cor para seu filhos pequenos. Com o passar dos anos, quando a situação dos imigrantes melhorou um pouco, por volta de 1954, ela encomendou os primeiros materiais para a pintura, de Cruz Alta, pois em Panambi não encontrava os mesmos. A partir daí, sem fazer cursos ou qualquer orientação, começou a pintura em óleo.


Até hoje, aos 100 anos de idade, continua sendo a pintura sua ocupação preferida.


GERTRUD DÖWICH, 100 ANOS DE HISTÓRIA

Por Temia Wehrmann Formada em História pela UNIJUÍ,
pós-graduada em Educação Especial pela UTP
Coord. do Museu e Arquivo Histórico de Panambi - MAHP


A Europa, no início do Século XX, ainda estava em crise, principalmente a Alemanha. Sua crise econômica desencadeou a elevação dos custos de vida, limitação de créditos nos bancos, inflação, instabilidade social interna e fuga do capital para o exterior. Consequentemente, muitos alemães optaram pela imigração. Na América Latina, um país chamado Brasil, investia em propaganda para atrair imigrantes para produzir alimentos e garantir o povoamento das áreas de terra devolutas.


Cabe lembrar, que o modelo de imigração e colonização previa a entrada de grupos familiares, de preferência grandes famílias para garantir a mão de obra. “De 1920 a 1926, migraram para Neu-Württemberg, 178 famílias, compostas de 638 indivíduos”. Foi o que ocorreu com a família de Gertrud Döwich, nascida Hesselmann. Vieram em 1924 da Alemanha para Porto Alegre. Alguns meses depois mudaram-se para Neu-Württemberg, sendo que seu patriarca adquiriu as terras, onde hoje se situam os açudes do outro lado da Empresa Fockink. Segundo Neumann (2009), a legislação estadual de 1899, em seu artigos 111 e 112, afirma que “as matas existentes nos lotes só poderiam ser derrubadas uma vez, na extensão necessária para o estabelecimento e na extensão necessária para as plantações”. Caso desmatassem uma área maior, estariam sujeitos ao pagamento de multa. A Empresa de Colonização Dr Herrmann Meyer também se referiu à derrubada das matas no contrato de compra e venda de terras (acervo do MAHP Hermann Wegermann), no item 10, estabelecendo que até o pagamento da colônia, obriga-se ele a não tirar das matas que tiver encontrado no seu lote, senão as madeiras e a lenha estritamente necessárias para as suas próprias construções, uso de casa, utensílios, móveis etc. Outrossim, recomenda o vendedor que os colonos em próprio interesse poupem as matas existentes o mais que possível e se declara sempre pronto a ajudar a quem por plantações queira aumentá-las.


Tanto, o Estado quanto à colonizadora, aspiravam evitar a instalação de madeireiras e serrarias, como uma atividade econômica para que os colonos não abandonassem a agricultura. A área de terra adquirida pela família de Dona Gertrud, tinha mais de 50% de mata. Logo começaram a plantar. No entanto, seu pai não tinha nenhuma experiência com a agricultura, com um agravante, aqui se cultivava outros produtos que em sua cidade Natal.

Percebe-se esta diferença no relato da imigrante Gertrud em relação à alimentação. O cardápio em sua terra natal baseava-se em alimentos como batatinha, verduras, bastante leite e verduras e pouca carne. Nesta região fazia parte do cardápio a carne de porco; carne de gado só no Natal e Páscoa. Já a carne de galinha era o manjar dos finais de semana. Aqui aprenderam a degustar feijão, mandioca entre outros produtos.


Claro que a alimentação foi apenas um dos aspectos que os imigrantes estranharam. Aliás, sair de um país onde tinham luz elétrica, máquina de lavar roupa, entre outras máquinas e adquirir uma colônia de terra sem conhecer o ofício de colono foi um desafio de extrema grandeza. Quem tomava a frente do trabalho na lavoura era dona Gertrud e sua mãe. Seu pai trabalhava principalmente na construção de casas e fabricação de móveis.


Os dois irmãos mais velhos de Dona Gertud foram procurar outras formas de sustento do que o trabalho na lavoura e os dois irmãos mais novos precisavam ainda frequentar a escola. Gertrud, na Alemanha, estava em uma Escola de tempo integral e já demonstrava o gosto pela arte. Imaginem uma mocinha cheia de sonhos tendo que deixá-los de lado e enfrentar a realidade dura da roça, sem as tecnologias de hoje. Quando saíram da Alemanha, tudo era novidade, as frutas como a bergamota, a laranja, entre outras, mas aos poucos foi entendendo o que a professora quis dizer quando ficou sabendo que iam morar no Brasil: “Pobres crianças não sabem o que as aguarda”.

Distante de entender a conjuntura internacional, mas de certa forma vivendo na prática o que estava ocorrendo economicamente, Gerturd confrontou a realidade e a propaganda, e descobriu as dificuldades da migração. A Europa estava com excedente populacional e em crise financeira, o Brasil, como outros países da América, queria assegurar as suas extensões de terra e ter mão de obra para produzir alimentos e Gertrud necessitou abrir mão de seus sonhos, momentaneamente, e trabalhar para atingir o objetivo da vinda de sua família ao Brasil, ter uma vida melhor.


O dia a dia envolvia muito trabalho, entre eles capinar, lavrar, bater feijão com manguá, colher produtos com foice, etc. O primeiro Natal foi o mais triste. A mãe de dona Gertrud foi vender nas casas comerciais da cidade os dois sacos de batatas colhidas para comprar os presentes. No entanto, não conseguiu vendê-los. Chegou em casa guiando sua carroça tão triste, que marcou profundamente nossa imigrante.

Quando não era necessário trabalhar nos finais de semana, desenhava no verso das cartas de sua mãe e depois em embrulhos de papel, mas seu dom artístico não era compreendido, sendo que parou de desenhar por um bom tempo.

Casou-se aos 20 anos e foi morar em München (Linha Morengaba) em 1931. A vida em muitos aspectos havia mudado, mas o trabalho continuava pesado e as dificuldades continuaram, principalmente, nos tempos da Guerra de 1939 a 1945, quando não podiam andar de trem e falar a sua língua materna. Neste período foram recolhidos livros, rádios e câmeras fotográficas dos descendentes alemães.


Entretanto, nessa época, Dona Gertrud já conseguia arrumar um tempinho para pintar. Seu marido, sabendo do seu amor pela arte, a incentivou a pintar. Sua primeira obra foi a Madona, em cartolina, obra exposta na casa de um dos filhos, uma relíquia com mais de 50 anos. Ainda, hoje, com seus 100 anos, através de sua arte em pinturas em quadros, bordados, crochê, macramê, enfeites de natal, entre outros, nos abrilhanta com seus talentos. Ela tem 7 filhos, 21 netos, 36 bisnetos e 2 taranetos e seu sonho é ter um quadro para cada um destes descendentes.


Finalizamos este texto com sua mensagem “A minha alegria é fazer a alegria dos outros, isto me satisfaz. Hoje posso trabalhar com o que gosto de fazer e enquanto tiver forças vou continuar.” Com suas palavras podemos entender como uma pessoa que, apesar de sua idade avançada, tem um espírito jovem, que não deixou que as dificuldades da vida abalassem seus talentos. Aliás, usou os mesmos para alegrar as nossas vidas, pois “um povo que não tem acervo de conhecimento, arte e memória, não tem referências que lhe permitam projetar-se para o futuro”. ¹

Alguns de seus quadros expostos em seu atelier. A artista gosta de pintar pessoas exercendo sua profissão. E muitos de seus trabalhos contêm água, que relembra a sua infância, sua casa ao lado do Lago Ammersee, na Alemanha, perto de Munique.

Gertrud em seu atelier, sala onde criou as 15 obras para a 12ª Mostra de Arte que transcorreu no mês de maio de 2010.

Foto do seu trabalho manual. Ela disse que sempre que temos desejo, conseguimos atingir nossos objetivos.

Quadro representando trabalho na zona rural.

Fontes:
NEUMANN, Rosane Márcia. UMA ALEMANHA EM MINIATURA: O Projeto de Imigração e Colonização Étnico Particular da Colonizadora Meyer no Noroeste do RS (1897-1932). Porto Alegre, 2009. Tese (Doutorado), Programa de Pós-graduação em História, PUCRS, 2009
1- NOSSA REVISTA, Junho de 2010, p.8. Editora Eterno Rei.

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